segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Passa tempo

Não sabia explicar tamanha tristeza no leito de morte de sua mãe. Ela, que por tanto tempo o criou e cuidou com tanto carinho, já não estava ali para ajudá-lo. Ele era dependente e sabia disso. Ela era a razão que ele tinha para levantar todos os dias, não importando qual era o tempo lá fora.

Ah, o tempo! Ninguém, nem mesmo ele, podia imaginar que isso fosse mudar tanto e tantas vezes a sua vida.

Os dias demoravam a passar e sua solidão aumentava. Chegava em casa e não mais ganhava um beijo de boas-vindas. Nada fazia sentido. Ele não entendia porque ainda estava vivo. Ele não entendia e, quanto mais tentava entender, mais se confundia. Achava tudo muito estranho e não sabia como lidar com aquilo tudo. A verdade é que ele nunca soube e sempre se acostumou com a mãe sendo sua base estrutural.

A profissão de vendedor de jornais em uma banca de bairro orgulhava muito a única família que ele sempre teve. De fato faltavam-lhe estímulos. Ele não sentia mais prazer em se manter informado e poder, afinal, conversar com aqueles fregueses de sempre. Decidiu, da maneira mais egoísta do mundo, que o pior sentimento do mundo era aquele que ele estava sentindo. Agora ele estava sozinho e precisava aprender a lidar com isso. Tentava achar uma solução e nunca encontrava.

Passaram-se dias, noites, primaveras e outonos. Ele estava esgotado. Emocional e fisicamente. Chegou, enfim, o dia em que desistiu.

E ela, tão bela e charmosa, foi a primeira razão pra que ele sorrisse com os olhos após tantas lágrimas derramadas. Se ele pudesse, com certeza teria parado o tempo naquele momento. Ele pensaria com cuidado sobre o que dizer e faria até planos para o futuro ao lado da adorada. Mas ele não pôde, e tudo o que aconteceu foi uma venda de revista de corte e costura.

Dos cabelos tingidos às mãos delicadas: ele estava encantado. Pela primeira vez sentia algo novo. Faltavam-lhe palavras para descrever o frio na barriga. Dessa vez ele continuava sem entender, mas, como algo inédito, ele não fazia a mínima questão de procurar explicações. O coração era mais racional.

Na rotina houveram as maiores transformações. A esperança de revê-la fazia com que mantivesse o olhar fixo na direção em que a avistou naquela tarde. Deixou sua timidez de lado e tentou investigar.

Viúva, mãe e simpática. Ele estava aliviado.

Fez da obsessão a sua razão e, mesmo sonhando com o dia em que se declararia para ela, não conseguia tomar nenhuma atitude.

Chegou, então, o dia em que ela não cumpriu seus caminhos rotineiros. Ele continuava a esperar, como todo amante verdadeiro. O tempo, que há pouco ele não mais se importava com, agora passava devagar. Ele acabou por descobrir que esse mesmo tempo tirou a vida dela. De um jeito injusto, um atraso e uma motocicleta em alta velocidade fez com que ele perdesse a única coisa que o fazia feliz.

As filosofias do "e se" tomaram conta da vida dele e o arrependimento foi o maior sentimento que ele pôde sentir durante toda uma trajetória.

"Se eu tivesse falado, talvez as coisas teriam sido diferentes".

Mas ele não estava triste. Lembrou que por 40 anos nada igual ele sentiu. Esboçou um sorriso singelo. Toda experiência é válida.

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