sábado, 30 de setembro de 2006

O observador

Uma tarde de sábado. Enquanto meu pai lavava o carro, minha mãe fazia um daqueles deliciosos bolos de cenoura com chocolate e meu irmão mais velho, como sempre, trancafiado naquele quarto escuro e vazio jogando no seu super video-game moderno um daqueles violentos e sangrentos jogos que ele tanto gostava. Eu, deitado na rede, olhava pro céu. Um coelho, um avião, até uma tartaruga eu avistei! Na verdade vi nas nuvens o reflexo de um menino solitário e inconstante... como eu.
De fato isso sempre foi algo perturbante pra mim. Eu nunca entendi como não conseguia ser o mais popular, o mais engraçado ou até mesmo o mais inteligente da sala. Eu não era nem gordo e nem magro, nem alto e nem baixo, nem burro e nem inteligente. Não tinha apelidos e ninguém nunca quis dar uma surra em mim, tomar o lanche ou figurinhas de mim. os dias que eu faltava eram dias extramente comuns no colégio para os outros.
- Por favor, qual a matéria que o professor de matemática deu?
- Ah. Eu nem lembro, meu! você não anotou a aula ontem?
- É que eu faltei.
Talvez a acomodação fosse sempre a minha base estrutural. Eu poderia ser mais revoltado, mais tristonho. Mas não, comigo foi tudo tão diferente. Eu nunca culpei as pessoas ao meu redor por não sentirem minha falta. Sempre me culpei por ser não ser competente o suficiente pra me destacar entre tantos. Ah, é claro que eu tentei, poxa. Mas de uns tempos pra cá eu desisti e resolvi ser mais individualista. Nunca ninguém precisou de mim, por que eu precisaria de alguém?
Em casa as coisas não eram muito diferentes. Meu pai sempre foi um cara esperto e persistente, não posso reclamar. Ele sempre fez o possível e o impossível pra dar à minha família tudo do bom e do melhor. pelo menos materialmente. Já minha mãe parecia mais a babá da casa. Insegura, sempre descontava seus problemas em qualquer um. e bom, meu irmão era totalmente o oposto de mim. Rodeado por amigos (ou deveria dizer eu colegas por conveniência?), comunicativo e inteligente. Um pouco mentiroso às vezes, fazia de tudo pra sair em vantagem e passava por cima do que precisasse pra alcançar seus objetivos. Com todos eles sempre senti a mesma coisa: indiferença. É estranho mas nunca ouvi um "eu te amo" e, logo, nunca pude retribuir. olhando as nuvens, bateu uma vontade imensa de o fazer pela primeira vez. afinal, eu sou da família! Não seria preso e nem morto por isso.
E lá fui eu. ARGH! A frase "como eu sou tolo" girava na minha cabeça como o refrão da música mais grudenta. Dei de cara com minha mãe recolhendo as roupas do varal.
- Mãe, você tá ocupada?
- Um pouco, filho. pode falar!
- Ah. Sabe o que é...
- Vai filho, fala!
- Eu te amo.
- Ai que bonitinho! Agora dá licença que a mamãe precisa terminar de recolher toda essa roupa antes que chova. Deu na tv que vai cair um toró daqueles e ainda preciso olhar o bolo no forno pra ver se já posso tirar. Aliás, faça esse favorzinho pra mamãe. Dá uma olhada lá, vai filho.
Ah, tudo bem. Talvez ela esteja preocupada demais com outros problemas da casa, do meu pai. Isso não significa nada. Resolvi tentar o meu pai.
- Ô paiê, posso falar com o Senhor um instante?
- Filho, eu tô ocupado
- É rapidinho...
- Tá, então fala logo.
- Ah é que...
- 'É que' o quê, garoto?
- Eu te amo, pai
- Tá, brigado filho. Agora toma um dinheiro pra você tomar um sorvetinho ali na padaria, toma. O papai tem mais o que fazer do que ficar ouvindo essas suas baboseiras.
É, eu sei que tem muito mais o que fazer. Meu pai é meio stressado. Talvez seja por isso, oras. Ele tem sempre muito trabalho e pouco tempo. Vou tentar meu irmão, né? Quem sabe. A esperança é a última que morre!
- Celso, será que a gente pode conversar?
- Não, muleque. Sai do meu quarto agora se não eu vou chamar a mãe!
- Mas eu não tomar muito do seu tempo e...
- Ô MÃÃÃE, TIRA O HUGO DAQUI, ELE TÁ ME IRRITANDO!
- Tá, tá. Tô saindo, calma!
Ah, meu irmão é meio esquentadinho. Ok. Acontece. Ele não é e nunca foi dos mais carinhosos mesmo. Resolvi ir tomar meu sorvete. Olhei pra cima e pensei nas nebulosas. Será que eu se eu fosse uma estrela faria diferença pra elas se minha luz se apagasse? E foi pensando nisso que no caminho, um caminhão desgovernado acima do limite de velocidade me atingiu.
Hoje estou aqui contando toda minha história e querendo mostrar à você uma coisa: você pode não ser alguém pro mundo, mas com certeza você é o mundo pra alguém. Nem todas as pessoas sabem dizer "eu te amo" ou agir de forma meiga e carinhosa. No entanto, isso não significa que você não seja amado. Sempre que puder, seja com palavras ou ações, demonstre seu carinho por aqueles que você realmente gosta e faça esses se sentirem especiais. As pessoas são diferentes, respeite essas diferenças. Não as trate igualmente. Sentimentos não podem ser colocados em uma balança e serem medidos. A intensidade deve ser a mesma, o que muda mesmo é a forma de demonstrar esse sentimento. E lembre-se: nem todos são e devem ser como você. Portanto, não seja um acomodado como fui e mude se julgar necessário. Ainda há tempo.

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Sim, tem milhões de erros mas eu não tô me importanto muito com isso agora, espero que vocês também não...
xx