domingo, 22 de janeiro de 2006

O Guardador de Ilusões

1888, Vila de Santo Antônio. Mansardas famintas do pão. Mansão faminta d’alma. Dentre luxuosas paredes e quadros, espelhos refletem perplexos eus trancafiados, presos no breu. Helena frente ao espelho, “Um outro mundo existe... uma outra vida... Mas de que serve ires para lá? Bem como aqui tu’alma atônita e perdida nada compreenderá”. Fere-a Machado com a dor da realidade.
Horácio, escravo amigo, que vivia com a família, tinha uma incrível percepção e sempre clamava um velho refrão: “Helena vive num mundo de ilusão”. Considerado um louco por suas manias, vivia a lembrar da vida que tinham e sempre trazia Helena no coração. Aquela musica que somente ele ouvia, fazia de sua vida uma eterna peregrinação. Escondido e surpreso com a cena que acabara de testemunhar, pôs-se em frente ao espelho a falar “Espelho mágico, ensina-me um adágio para livrar Helena de seu fardo”. O espelho aconselha: “Prepare um jantar encantado”.
Nos livros que herdara do Sr. Simão, Helena mergulhava sua frustração, entre a Mão e a Luva, uma aliança perdida, o Par Perfeito, Ressurreição...
- Sinhá! O jantar está à mesa
Na sala amarga de jantar, o cravo e sua rosa, o garfo e a faca, a vela e o castiçal, 8 pares de cadeiras nuas, mesa posta para um. Cálice e vinho, a ausência do que comemorar. Nas mãos negras a bandeja de prata iniciava a refeição. Horacio pedia: “Fiz desta sopa a poção para trazer de volta à sua vida a paixão”. Da carne que comia as fibras reconstruíram seu coração, do tempero a magia, a surpreendente sedução.
Dois ponteiros unidos DoM! DoM! DoM! Anunciaram a revelação. Helena relembra o dia em que o noivo lhe pedira a mão, mas sempre em busca do amor perfeito acabou se desfazendo de sua paixão.
Arrependida de seu ato insano dirigiu-se ao piano e tocou a doce cantiga dos esponsais. (Se eu casar talvez seja feliz).

sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

Mudança de Temperatura

Nos fios telegráficos pousaram uma, duas, três, quatro andorinhas.
Olham de um lado e outro... Irão partir?
Sobre as cercas rasas do arrabalde, os girassóis espiam como girafas...

Alienação


Tevê luxo
Tevê lixo
Tele visão
Tele lixo visão
Visão de teleluxo
Visão em cores de mundo lixo
mundo louco em decomposição
lixeira de visões televisonadas.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

Teoria do Caos

Seria Carlos Drummond de Andrade um seguidor do movimento emocore? Com seus óculos pretos e de armação grossa, seus textos extremamente melancólicos e tristes, onde em grande parte têm como assunto as muitas desilusões amorosas da vida e as maiores perdas de um ser humano qualquer. Textos que não envelhecem, que não cansam e que intimidam qualquer pessoa. Não. Definitivamente não. A personalidade dele não poderia ser tão fraca a esse ponto.

Carlos Drummond de Andrade

Necrológio dos desiludidos do amor

Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.
Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.
Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.
Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia.
Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e segunda classe).
Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.

e o texto é pra você-sabe-quem, que me entende e que pensa como eu, por motivos mais do que óbvios. e vê se dorme! :*

terça-feira, 10 de janeiro de 2006

Perigo

Pedaços da noite passada
Pela sala, e pelo quarto
Eu acordei procurando
As minhas pernas
E meus braços
Devagar, pra não pisar
Em espelhos quebrados
Raios, distorção
E nos pecados que eu cometo
Quando ela pergunta sorrindo
Se eu ainda quero mais
A rua deve ter acordado
No meio da madrugada
Tentando saber quem deve ter sido
E quem não dormiu
Devagar, pra não arranhar
O que sobrou intacto
Raios, distorção
E nas fogueiras em que eu me jogo
Quando ela pergunta sorrindo
Se eu ainda quero mais

Cuidado: ela morde.